PORTO
ALEGRE, 21 DE NOVEMBRO DE 2011.
ANO
INTERNACIONAL DO AFRODESCENDENTE
EXCELENTISSIMO
GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
DR.
TARSO GENRO
Dignitárias e Dignitários dos Povos de Terreiros
da cidade de Porto Alegre e de municípios do Estado do Rio Grande do Sul, ao
atender o convite de Vossa Excelência para inicio de uma relação mais efetiva e
construtiva, no Ano Internacional do Afrodescendente, querem aproveitar, este
momento simbólico, para qualificar o diálogo que se expressa através de anseios
coletivos.
Nessa nova etapa que se pretende inaugurar,
queremos entrar por inteiro e significativamente. Em assim sendo, é imperativo que
preconceitos, estereótipos e estigmas estejam debelados por completo para que
as relações de elaboração de políticas fluam com denodo, desembaraçadamente.
Importa aqui ressaltar que o Ano
Internacional do Afrodescendente, proclamado pela Assembleia Geral das Nações
Unidas (ONU), em 18 de dezembro de 2009, tem como objetivo:
O fortalecimento de ações nacionais e regionais, além da cooperação
internacional para o benefício das pessoas descendentes de africanos em relação
ao total usufruto de seus direitos econômico, cultural, social, civil e
político; à sua participação e integração em todos os aspectos políticos,
econômicos, sociais e culturais da sociedade e da promoção de mais conhecimento
e respeito por seus patrimônios e culturas diversos.
Relevantemente,
os Terreiros são espaços de Valores Civilizatórios, locus comunitários de toda
uma pedagogia que se dinamiza calcada em
pressupostos ancestrálicos amalgamados, onde a Vida é potencializada.
Igualmente
e como num complexo, nas Comunidades de Terreiro subjazem conteúdos de natureza
filosófica e teológica de visão de mundo que permeia toda uma concepção
existencial. A humanidade negra africana enxerga homens e mulheres sob outra
dimensão que não ocidental. Como bem assevera Luz (1983, p. 29) “a civilização
negra se caracteriza por exprimir uma concepção ‘espiritualista’ do mundo, onde
a constituição da individualidade, as relações sociais, as relações com a
natureza e o universo estão revestidas de uma dimensão sagrada”.
Ao histórico
e secular recobrar o papel dos Povos de Terreiro na sociedade brasileira, incorrem
em graves equívocos aqueles que visualizaram ou visualizam hodiernamente as
Comunidades de Terreiro como lugares apenas e tão somente de práticas religiosas,
onde apenas se desenvolvem rituais.
Em meio
ao processo das tentativas de desumanização mediante as sucessivas etapas de
desenraizamento, desterritorialização operado pelo tráfico transatlântico,
devido ao rigor teórico da Oralidade, os africanos ressignificaram as suas
estruturas sociais e metafísicas, adquirindo contornos regionalizados em que,
como num verdadeiro paradoxo face à opressão imposta aos escravizados, os
ditames da xenofilia como um determinante do quadro axiológico africano sedimentou
com povos autóctones efetivos imbricamentos. Assim se deu com outros universos
materiais e simbólicos, quer seja como estratégia de resistência, persistência,
demarcação de territorialidade mítica, entre outras intencionalidades em meio à
adversidade. Pontua-se que a Umbanda também se edifica sob a lógica da
xenofilia mesmo em seu viés evulucionista.
Incorrem
em gravissimos equívocos por ignorância, desconhecimento ou má fé todos os que
em face das discussões correntes acerca da laicidade do Estado, colocam no
mesmo bojo do referido debate, os Povos de Terreiro e suas comunidades, pois
não se trata de uma religião nos moldes judaico cristão.
O
Estado brasileiro, nos seus âmbitos, seja dos Executivos Municipais, Estaduais,
Nacional, bem como no que competem aos poderes Legislativos e ao Judiciário que
não relevarem as particularidades civilizatórias da cosmovisão africana, considerando
as adequações na diáspora das Américas, em que se situa o Brasil e o Estado do
Rio Grande do Sul, indubitavelmente incorre em preconceito, discriminação e,
por conseguinte, em racismo.
É
preciso respeitar e entender que “uma visão de mundo é uma compreensão que diz
respeito a tudo. É uma interpretação desse mundo, de sua realidade global, que
procura dar respostas às questões [...] do ser humano, no que diz respeito à
sua origem [...]” e dinâmica Existencial (REHBEIN.1985, p. 21).
Reposta
nas Comunidades de Terreiro na dispersão pelo Brasil, em Porto Alegre e no Rio
Grande do Sul como um todo, por vez difusa por outra concentradamente
interagente, uma concepção de Vida de origem africana operacionaliza-se de
forma a denotar que “todas as criaturas existem em profunda interação, como
numa correntes de forças. Nada se move neste universo sem influir nas outras
forças com o seu movimento. O mundo das forças comporta-se como uma teia de
aranha onde não se pode fazer vibrar um só fio sem agitar todas as malhas”.
Isto posto fica compreendido que:
Não apenas há uma interdependência entre
realidade e religião, religião e razão e razão e causualidade, senão
interdependência ou compatibilidade de todas as disciplinas. Uma teoria médica
que se oponha a uma conclusão teológica é rejeitada e vice-versa. A exigência
de uma compatibilidade mútua de todas as disciplinas, elevada a sistema, é a
arma do pensamento. Filosofia, teologia, política, sociologia, direito agrário, medicina, psicologia,
nascimento e morte estão compreendidos num sistema lógico tão compacto, que, ao
tirar-se uma parte qualquer, desmorona-se a estrutura total (REHBAIN, 1985, p.
22).
De
acordo com Marin (2009, p. 47) “existe em toda sociedade, ao mesmo tempo, um
pensamento racional, técnico e prático, e um pensamento mágico, mítico e
simbólico”. O autor citado ao referir-se a todas as culturas indistintamente, faz
questão de afirmar que na sociedade ocidental também é assim.
Ao
descivilizacionar e conotar caráter estritamente religioso ao continuum civilizatório afrodescendente arrolando
à dinâmica social de estrutura fortemente maniqueista e/ou dicotomizada, a
sociedade e o Estado acabam por direta e indiretamente corroborar com o racismo
e seu correlato mais perverso que se traduz pela intolerância religiosa que
grassa no país, nos Estados do Sul e, notadamente, no Rio Grande do Sul. Desta
forma, busca-se atentar contra fundamentos dessa maneira humano-sagrada
ontológica de ver o mundo e com ele se relacionar.
A
colonialidade do poder e das relações sociais vigentes, cujas elites dominantes
insistem na predominância eurocêntrica em detrimento da matriz civilizatória africana,
têm demonstrado forte apego ao ideário colonialista ou neocolonial, em que pese
todo discurso político encetado de reconhecimento e valorização da Diversidade,
em que se destaca as demandas históricas das Relações Étnico-Raciais compreendidas
e dimensionadas civilizatoriamente, sobressaindo-se as questões Quilombolas e
dos Povos de Terreiros.
Diante
dessa análise, reafirma-se que as ações dos Povos de Terreiro estão para além
da ritualística e da culturalização, pois a atuação dos terreiros se manifesta
como eixo estratégico para qualquer
discussão, definição e encaminhamento de políticas para o Povo Negro.
Tendo
como fundamentação o exposto, propõe-se:
Assentamento
imediato de uma representação dos Povos de Terreiro no Conselho Estadual de
Desenvolvimento Econômico Social – CEDES;
Criação
de um Conselho de Politicas Públicas para Povos de Terreiro, vinculado ao
Gabinete do Governador, com o objetivo de pensar e construir ações afirmativas
e políticas públicas;
Transformação
da Coordenadoria de Igualdade Racial em uma Secretaria com estrutura para o
desenvolvimento de políticas voltadas para o Povo Negro, sem deixar de incluir
os Povos Indígenas.
Assinam:
Carlos
Nunes de Souza (Baba Carlos de Sango) / EGBÉ ÒRUN ÀIYÉ RS
Clovis
Alberto Oliveira de Souza ( Baba Clovis di Agandju) / CEUCAB / RS
Jayro
Pereira de Jesus (Egbon Ògiyán Kalafò Olorode) / ESTAF
Leonor
dos Santos Almeida (Iya Norinha de Osalá) / CEDRAB RS
Marcelo
D. de Souza (Baba Marcelo D’Ogun)/MEMORIAL 13 DE AGOSTO
Rafael
Duda (Baba Rafael de Bará) / GT de Matriz Africana da CMPA
Sandrali
de Campos Bueno ( Iyá Sandrali d’ Osún ) / RENAFRO – PELOTAS
Valmir
Ferreira Martins (Baba Diba de Iyemonjá) / RENAFRO-SAUDE/RS
Vera
Soares (Iyá Vera Soares di Oiya Laja) / FORMA / RS
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